“Às vezes eu quero chorar
mas o dia nasce
e eu esqueço (…)”
Helena acordou com esses versos na cabeça. Como Marina Lima pôde descrevê-la com tamanha verossimilhança? Sim, a letra se aproxima da verdadeira mulher que protagoniza o #EuConto.
Ainda deitada na cama, olhou fixamente para um pequeno buraco ao lado do ventilador de teto e se deixou levar por pensamentos desconexos e em como daria conta de exercer todos os papéis no mesmo dia: ser ela mesma, mãe, esposa, filha, gestora, amiga, conselheira, “dona de casa” e arrumar tempo pra chorar. Ops! A capa de Mulher Maravilha está na lojinha de reparos de roupas.
Deu um breve suspiro e levantou-se. “Onde estava o Roni?” Ela gostaria de abrir os olhos e de vê-lo todas as manhãs ao seu lado, porém, não sabe por que cargas d’água isso não acontece com frequência. Foi procurá-lo pela casa e o encontrou encostado na pia da cozinha digitando no celular. Seu pensamento imediato foi: “Ele está respondendo e-mails do trabalho às 6h35 da matina? Será, mesmo?”
Apenas disse a ele: “Bom dia, mô!”. Ele respondeu sem desviar o olhar da telinha retangular: “Oi, dormiu bem, mô?”. Helena ponderou por um instante… Deveria começar uma DR àquela hora?! Decididamente, sim, mas faria diferente.
Fechou os olhos e puxou da memória os componentes da comunicação não violenta para falar sem afugentar o marido. Respirou fundo e disse: “Roni, fico chateada quando você não está ao meu lado na cama de manhã, porque eu adoro abrir os olhos e ver você, te dar um beijo e deitar em seu peito antes de começar a correria do dia.”
Roni se sentiu impactado; surpreendeu-se com a clareza dos sentimentos da Helena ditos sem agredi-lo. Ele teve que se virar nos 30 com ligeireza, pois o lugar-comum “espero sempre o pior” não aconteceu. As palavras não chegaram à boca; ele preferiu, simples e amorosamente, se aproximar dela e abraçá-la. Beijou-a na testa, fez carinho nos cabelos e, enfim, verbalizou: “Eu amo você! Obrigado por se abrir expondo sua insatisfação, mas sem brigar comigo. Amanhã, quando você abrir os olhos, eu estarei ao seu lado, inteiro, só seu.”
Helena, pulsando por todos os poros, concluiu para si mesma: “Esse negócio de CNV funciona! Devo praticá-la com as crianças, os amigos, a equipe e… com o gestor.” Rolou um desconforto nesse pensamento. Depois da cena linda que acabou de acontecer na cozinha (como nos filmes românticos), lembrou-se de quem não deveria (porque poder se lembrar pode).
As crianças acordaram, e a rotina normal tomou conta daquela manhã. Em seu momento banheirístico, com os fones de ouvido, Helena não conseguiu se concentrar. “Hoje não”, ela decidiu. Tomou um banho gelado para “desligar” os pensamentos vãos, arrumou-se, beijos todos, entrou no carro e colocou para tocar a canção da Marina:
“Meus olhos se escondem
Onde explodem paixões
(…)
Eu não sei dançar
Tão devagar
Pra te acompanhar…”
Pulsa, Helena.